AMANTE FIADOR

Sanches saiu da boate trançando as pernas. Fazia tempo que não tomava um porre como aquele.
- Para onde vamos? – perguntou para a linda morena na qual se escorava.
- Onde você quiser, amor.
Lembrou-se de um hotelzinho fuleiro que havia ali por perto. A mulher era material de primeira, mas nem por isso iria levá-la para uma suíte do Hilton Hotel.
O porteiro da espelunca cochilava no balcão. Acordado, teve um sobressalto ao ver tão distinto casal pedindo quarto naquele lugar. Que mulher gostosa, meu! O sujeito ao seu lado era evidente que estava bêbado. Mas além do bom gosto pela gata, sabia se vestir muito bem. Tinha pinta de executivo.
Depois das formalidades, subiram para o quarto. Sanches mergulhou na cama como se fora uma piscina. A morena tirou-lhe a roupa. Aí, ele ressuscitou e a transa foi uma loucura. Na hora do cigarro, ela começou com os queixumes.
- Pô, amorzinho, tô num mato sem cachorro. Minha mãe precisa fazer uma operação nos Estados Unidos e não tenho ainda um fiador para avalizar o empréstimo no banco...
Sanches, generoso, sequer esperou que ela concluísse a frase.
- De quanto é o empréstimo, querida?
- Trinta milhões, amorzinho.
- Pronto. Eu serei o seu fiador. Passa amanhã na minha empresa e eu assino a papelada toda. Sou publicitário, ganho uma nota preta, e já fui fiador de quantias três vezes maiores do que esta...
A morena, olhos cintilantes de alegria, saltou sobre ele e o cobriu de beijos.
Na tarde do dia seguinte, segurando um papel rabiscado por Sanches, ela se apresentou no endereço indicado. Foi atendida cortesmente pela recepcionista.
- Pois não. O que deseja?
- O senhor Ricardo Oliveira Sanches, por favor.
A recepcionista falou com alguém pelo interfone. Depois informou:
- O chefe dos contínuos disse que o Sanches saiu para entregar uma encomenda...

(Histórias da Boca/ Notícias Populares / Sampa, 27-7-1985/ A. M. Soldera)

CAFÉ DA MANHÃ

Aos quarenta anos, Américo já se sentia um trapo. Sua vida, a mesma rotina de sempre. Casa-trabalho, trabalho-casa. Não havia outros atrativos. Além de tudo, ainda tinha de suportar a tirania de uma esposa horrorosa.
Estava casado com Clementina fazia quinze anos. Nunca ousara dizer a palavra “não” para ela. Era um verdadeiro martírio aturá-la. Não bastasse dar duro o dia todo como contínuo num escritório de advocacia, ao chegar em casa tinha de fazer todos os serviços domésticos.
Clementina, gorda, cabelos desgrenhados, refesteleva-se na poltrona e ficava assistindo uma novela atrás da outra. Américo, coitado, preparava a comida, cuidava da faxina.
No fim do mês, como se fora uma criança, entregava à mulher o salário inteirinho. Ela lhe separava a parte da condução e consumia o resto a seu bel-prazer.
Américo não entendia como conseguira viver tanto tempo com semelhante megera. Matutava sobre isso no ônibus, no trampo, mas não encontrava resposta. E era justamente no que estava pensando naquele domingo de manhã, enquanto coava o café.
“Anda logo com isso”, ouviu Clementina gritar lá da cama. Sentiu-se tomado por um sentimento de ódio que nunca tivera antes. Mas apressou-se. Pôs o bule na bandeja e caminhou até o quarto.
Quando, porém, Clementina estendeu a mãozorra para apanhar a xícara, recuou bruscamente a bandeja.
- A-mé-ri-co! – berrou, enfurecida, a montanha de banha.
Américo, no entanto, era um homem completamente surdo naquele momento. Como um leopardo, saltou sobre o pescoço da esposa e apertou, apertou...
Ao notá-la desfalecida, afrouxou os dedos e correu à cozinha. Buscou na gaveta da pia a faca mais pontuda. Retalhou Clementina como se fora uma porca.
Quando a polícia chegou, entregou pacificamente as mãos para serem algemadas:
- Prendam-me. Eu matei aquela mulher. Não aguentava mais...

(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, 17/6/1985/A.M.Soldera)

A OUTRA

-- Vim o mais depressa que pude. Pelo desespero de sua voz ao telefone, percebi que o caso é de vida ou morte. Vamos lá, Silmara: conte tudo para sua irmãzinha, conte...
Corpo estragado por três partos consecutivos, a dona da casa atirou-se em prantos nos braços de Soraia, doces olhos azuis, silhueta tentadora de mulher nos seus dezessete anos.
-- Uma desgraça, maninha, uma desagraça – soluçou, com a cara enfiada entre os seios pontudos de Soraia.
-- Silmara, querida, abra-se comigo... Como nos velhos tempos, lembra-se? Apesar de cinco anos mais velha, você tinha em mim uma confidente sempre pronta a ouvi-la.
O Horácio tem outra. Meu casamento está perdido – berrou, já com o rosto banhado em prantos.
-- Você tem certeza disso? Como descobriu?
-- Não é preciso ser muito esperta para saber que o homem da gente está pulando a cerca. E o pior é que tudo foi premeditado. Você se lembra do que eu era antes. Veja agora. Estou um lixo. Quatro anos de casada e três filhos, um após o outro. Horácio nunca me deixou usar anticoncepcionais. Me transformou numa “parideira”, só para manter-me entocada dentro de casa e assim curtir suas amantes numa boa.
-- Mas isso não é motivo para você se acabar desse jeito, Silmara. Quem sabe se...
A campainha tocou, e Soraia viu a irmã dar um salto da poltrona. Sem nada compreender, ouviu-a balbuciar com raiva:
-- Agora vou saber como é a fuça da vagabunda. E juro que vou encontrá-la, custe o que custar. Ainda esgano essa destruidora de lares, juro...
Em seguida, Gertrudes, a empregada, entrou na sala:
-- Com licença, dona Silmara. Aqui está o café e um envelope que um moço acabou de trazer para a senhora.
Indiferente à curiosidade da irmã, destroçou ávida o papel.
O trabalho do detetive particular fora perfeito. Não se sabe como, mas ele conseguiu fotografar Horácio em pleno sexo com a amante.
Silmara examinou o material e a cada foto foi mudando de cor. Num supremo esforço levantou-se a apontar o indicador em direção à irmã. Mas, sem conseguir dizer qualquer palavra, caiu morta, fulminada por um ataque cardíaco.
Rapidamente, Soraia acercou-se do corpo inerte da irmã, apanhando as fotos onde aparecia nua numa cama de motel ao lado do cunhado. Só após guardar cuidadosamente as fotos na bolsa é que pediu por socorro.
Depois de curtir luto por um ano, Horácio casou-se no civil e no religioso com a jovem e fogosa Soraia.

(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, /A.M.Soldera)

MARIA DA GEMA

O que Maria da Gema tinha de beleza possuía, na mesma proporção, em frigidez sexual. A loira de olhos verdes era uma geladeira na cama. Eu já havia tentado de tudo. Só faltava mesmo consultar um sexólogo.
Nosso quarto era mais bem equipado do que um motel. Cama enorme, em forma de coração. Espelho no teto, sauna, hidromassagem e cinco aparelhos de vídeo exibindo simultaneamente os mais picantes filmes de sacanagem. Na hora “H”, sempre a mesma resposta:
- Não consigo, amorzinho. Por mais que tente, não sinto nada.
- Vamos ver um médico, então...
- Não, não, por favor, não...
Ela se debulhava num choro sentido. Eu acendia um cigarro. Quando acabava de fumar, Maria da Gema já tinha adormecido. Ficava com pena de acordá-la. Deixava aquele belo corpo nu sobre os lençóis e ia me “aliviar” no banheiro.
Não fosse a incomensurável paixão que nutria por ela, já teria me separado. Mas eu tinha amor de sobra e dinheiro também. Continuei tentando.
Chegou um tempo em que desisti. Conformei-me em amá-la apenas platonicamente. Ao mesmo tempo, para compensar, mergulhei no alcoolismo e nas drogas. Às vezes, passava três, quatro dias fora. Eram orgias atrás de orgias. Quando voltava, ela me abraçava e me beijava ternamente. Mas ficava só nisso.
Um dia, ainda no escritório, decidi que iria despertá-la para o sexo de qualquer maneira. Cancelei compromissos importantes, encerrei o expediente e rumei para casa com uma idéia fixa na cabeça: “É hoje, ou nunca”.
Talvez a surpresa fosse a chave para romper aquela frigidez. Dirigia o carro feito um louco, só pensando em tê-la em meus braços.
Quando cheguei, não a encontrei. Um empregado disse que a viu indo em direção à piscina. A mansão onde morávamos era esplendorosa. Toda cercada por enormes jardins arborizados.
Fui até a piscina, e nada. Só mais adiante consegui avistá-la. Mas antes não a tivesse visto. Foi o maior golpe da minha vida.
Debaixo de uma seringueira, Maria da Gema, coberta de suor e terra, se espojava com um homem... Com Marcílio, o jardinheiro...

(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, 12/6/1985/ A.M.Soldera)

OS SEIOS DE ROSÁLIA

Segue mais uma 'história da boca'. Ela também ia entrar no livro volume VIII de O Conto Brasileiro Hoje. Mas não foi possível. Foi publicada na edição de 9 de novembro de 1985 do Notícias Populares.

OS SEIOS DE ROSÁLIA

Os seios de Rosália eram duas melancias rijas encravadas no peito. Mas eram bonitos, lindos como os daquelas americanas reforçadas que posam nuas para revistas de sacanagem.
Rosália era minha galinha dos ovos de ouro. A peãozada da rua Aurora não dava folga pra coitada. De todas as fêmeas que batalhavam pra mim, ela era a mais requisitada, a que mais faturava.
Houve um tempo em que eu fiquei enciumado. Tirei ela da vida e botei no meu apartamento, pra ficar com a exclusividade daqueles seios aconchegantes.
Foi uma época deliciosa. Era só eu chegar em casa, e lá vinha ela me abrindo os braços. Aí eu mergulhava naquelas carnes macias e me esquecia das agruras da vida de rufião.
Mas, sem ela, os negócios começaram a naufragar. As outras meninas pouco rendiam, e eu me vi obrigado a enfiar Rosália na vida de novo.
A freguesia retornou afoita. Eu tinha de ficar por perto o tempo todo, senão os pilantras se matavam por ela.
Vez por outra, eu ainda reservava Rosália para meu uso próprio. E nesses dias, regados a cachaça e cerveja, ela me apertava entre os seios e dizia:
- Me tira dessa nojeira, amor. Não agüento mais...
Eu então acariciava as auréolas rosadas dos seus enormes mamilos e prometia coisas que jamais iria cumprir.
Até que uma noite eu notei que os seios de Rosália estavam ainda maiores. Reclamei que ela precisava se cuidar melhor, pois, além dos seios, a barriga também estava mais saliente.
Ela, porém, sacudindo os falsos cabelos loiros, disse, desanimada:
- Agora não adianta, meu filho. Estou prenhe...
Cheio de fúria, ordenei:
- Arranque o quanto antes essa tranqueira daí.
- Isso é pecado. Vou ter a criança, quer você queira ou não.
Foi a última vez que vi e desfrutei dos seios de Rosália. Ela arrumou a trouxa e voltou pro Norte, de onde viera.
Meus negócios, pouco a pouco, foram por água abaixo. Tive de mudar de ramo para sobreviver. Virei bicheiro, mas me dei mal. Hoje, sou leão-de-chácara de uma boate vagabunda na Boca do Lixo.
Vez por outra discuto comigo mesmo se devia ou não ter deixado Rosália ter o filho. Mas de que adianta pensar nisso agora. É tarde, muito tarde.

(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, 9-11-1985)

GÊNESIS


PRAGA DE MÃE E OUTROS BICHOS

Inicio o blog com o primeiro texto meu publicado em livro - no caso, O Conto Brasileiro Hoje, Volume VIII, uma coletânea que vai de autores pouco conhecidos como eu até nomes maiúsculos como o jornalista Rodolfo Konder.

Sobre mim, começo por repetir basicamente o que está registrado no rodapé do meu 'miniconto' - se é que existe o gênero - Praga de Mãe.
Tenho 52 anos, sou capira do interior paulista, e fui picado pelo vírus do jornalismo aos 15, quando virei correspondente regional do Diário de Sorocaba. Em 1976, vim de Boituva para São Paulo, para cursar a Faculdade de Comunicação Social Cásper Líbero.


Na capital, trabalhei em vários jornais, entre eles o hoje cult Notícias Populares, de onde foi extraído o texto abaixo, publicado na coluna Histórias da Boca, feita em revezamento com outros repórteres de polícia do 'sanguinário' jornal.

Há anos venho ensaindo publicar o livro Praga de Mãe, que reuniria outras 'histórias da boca' escritas por mim e relatos sobre minha experiência no Notícias Populares comandado por Ebrahim Ramadan - um verdadeiro mestre na área de se fazer um jornal popular. O NP, sempre digo, foi minha verdadeira universidade. De 84 a 89, passei ali belos momentos.

Não saiu o livro. Sai o blog, para o qual espero contar com a colaboração, entre outros, dos 'enepistas' juramentados que trabalharam comigo no jornal.
Fique agora com Praga de Mãe. Inté.

PRAGA DE MÃE

Todo dia ao acordar, travo uma batalha comigo mesmo: acender, ou não, o primeiro cigarro? A guerra, porém, dura uns dois minutos, e quem perde sempre é a minha caixa de catarro, que mal recomposta da madrugada boêmia, tem de suportar mais uma terrível dose da letal fumaça.

E é na cama, em meio à fumaça do primeiro cigarro, que vejo o rosto e o corpo nu de Arlete. Nova batalha se trava dentro de mim. Esquecê-la, ou continuar grudado nesta mulherzinha de cabaré, prostitutazinha reles que faz sexo explícito em filmes pornôs?

O primeiro acesso de tosse do dia me leva à latrina fedorenta do apartamento mofado. Tusso até quase vomitar. E com o escarro tenho vontade de pôr Arlete pra fora de mim. Mas ela é praga de mãe, não sai assim facilmente.

Quando a tosse pára, arrasto-me até a cozinha do moquifo atrás do meu café da manhã. Ponho meio copo de cachaça vagabunda e mando pra baixo. Aquilo, com o estômago vazio, desce que desce rasgando, como se fosse o fio de uma navalha.

Só então tomo um banho gelado, pra ver se essa eterna ressaca abandona um pouco o meu corpo. Mas não adianta. Já estou mesmo um bagaço.

No quarto, enquanto me troco, volta a idéia de esquecer Arlete, de fazer de conta que ela morreu, ou que está com Aids. Tudo besteira. No fim, eu acabo é dando um beijo no cartaz da última fita que ela fez com o pessoal da Boca. Espremo contra a parede o durex de um dos cantos que teima em desgrudar e saio, para pegar a bóia no boteco imundo do Espanhol.

Oito e meia, assumo meu posto atrás do balcão do inferninho e fico vendo Arlete rebolar as ancas pros outros machos. E torço pra que ninguém se interesse por ela até de madrugada. Assim, quem sabe, eu possa dormir com ela num hoteleco qualquer.

(Histórias da Boca / Notícias Populares / Sampa, 13-10-1985)

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'PELEZÃO' FOI O MEU 'BEBÊ-DIABO'


Embora o livro Nada mais que a verdade - A extraordinária história do jornal Notícias Populares, assinado por Celso de Campos Jr., Denis Moreira, Giancarlo Lepiani e Malk Rene Lima, não faça a menor refência ao meu nome, fui eu o responsável por 99% das matérias sobre o Pelezão, o indigente que virou 'ídolo das madames' após ter sido 'violentado' pela 'psicóloga tarada de Perdizes', na madrugada de 28 de agosto de 1984. O caso Pelezão rendeu tantas manchetes quantas teve o Bebê-Diabo, que, na metade da década de 1970, mexeu com os nervos e a imaginação dos leitores, serguindo o rastro do filme O Exorcista.

Eu era repórter de polícia no NP e assinava também duas seções numa revista de sacanagem chamada Big Man Internacional. De uma delas - Caso de Polícia - extraio o texto reproduzido abaixo, que faz um apanhado de toda a história do Pelezão.

Divirta-se:

(Para facilitar a leitura dê um clique sobre a imagem)