NP escrachado nas fotos do Conceição


TALENTO A SERVIÇO DO NP DO
CADÁVER À PELADA DA CAPA

José Luiz da Conceição, 57 anos, foi um dos repórteres-fotográficos do Notícias Populares, jornal onde a imagem sempre teve papel preponderante. Recentemente, ele criou um canal no YouTube, onde entrevista profissionais com quem trabalhou durante sua longa carreira como repórter-fotográfico, que, além do NP, inclui passagens por “O Globo” e o “Estado de S. Paulo”.
Sempre muito agitado, brincalhão e falante, Conceição foi rebatizado como “Grilo”, apelido que ele utilizou para denominar seu canal no YouTube, o “Grilo na Foto”, que brindou o criador deste blog com uma generosa entrevista.
Nesta entrevista, ele conta, entre outras curiosas revelações, que foi fisgado pela fotografia por conta de um “trauma”. Relembra que fez marcação cerrada no então chefão da Folha de S. Paulo, o Otavio Frias Filho, o Otavinho (1957-2018), para, aos 22 anos, começar a trabalhar como repórter-fotográfico do Notícias Populares. Fala de seus êxitos e de algumas gafes, como fotografar o personagem errado numa reportagem sobre um famoso ex-jogador do Santos que estaria num asilo.
Com a palavra José Luis da Conceição, o Grilo, craque na foto e na memória, capaz de ficar horas contando histórias. 

Trauma no colégio arrastou
Conceição para a fotografia
Ebrahim Ramadan e José Luis da Conceição
Um trauma me levou a estudar fotografia e a ser fotógrafo. Com o término do ano letivo de 1977, após ter feito a minha primeira fotografia com o time feminino da minha classe, na Escola Estadual Adhemar Hiroshi Suda, no Tucuruvi (zona norte de São Paulo), o destino reservaria mais uma oportunidade de estarmos todos juntos novamente para a colação de grau, que aconteceria em março de 1978 no auditório do EE Albino Cesar, também no Tucuruvi. Neste intervalo de alguns meses, muitos já trabalhavam e não nos víamos mais desde o último dia de aula. A expectativa, portanto, era muito grande em rever os amigos. Precavido, pensei em fazer mais fotos daquela que seria a última oportunidade de registro de todos juntos novamente. A máquina Tuca, porém, não tinha flash, e minha tia Nane, se prontificou a fazer as fotos daquela noite, pois tinha uma máquina com flash toda sofisticada para a época. Assim, durante todo o evento, ela fez as fotos, pipocado o flash pra lá e pra cá, se preocupando em fazer as imagens da turma ao lado um do outro, dos amigos, dos professores, parentes etc. Uma semana depois, entretanto, na revelação, a triste surpresa: o filme saiu “queimado”. Apenas uma única foto se salvou. Foi então que prometi que um dia aprenderia a fotografar. Esta foto feita naquela noite, eu consegui anos depois com uma das amigas que tinha uma cópia a mais.

Com força do Otavinho, inicia
trampo no Notícias Populares
Eu trabalhava como auxiliar de escritório no departamento de assinaturas do interior da Folha de São Paulo. Após fazer um curso de fotografia, depois uma longa batalha, consegui, via Boris Kasoy, a possibilidade de ser frila no departamento fotográfico nos finais de semana. Ao fim de dois anos, entretanto, com a mudança gráfica da Folha, meus trabalhos deixaram de ser necessários. Foi quando comecei uma cruzada pela sala do Otávio Frias Filho e uma série de idas e vindas que só neste episódio dariam algumas laudas. Mas deu certo e acabei indicado pela direção da Folha para trabalhar no Notícias Populares.
(Blog do NP TV mostra essa saga do Grilo)

No NP, para ir pra guerra sem
levar tiro, Grilo cursou teatro
A minha adaptação ao NP lembro que foi difícil no começo. Afinal, eu tinha 22 anos e trabalhava numa redação de jornalistas mais velhos e todos com grande experiência. Mas aos poucos fui fazendo fotos diferentes e me sentia desafiado ao sair para a rua atrás de bonecos {foto de uma fotografia, para retratar o morto em vida}  de vítimas, trabalho que eu considerava muito mais difícil do que fotografar alguém morto na rua, pois dependia da boa vontade dos parentes da vítimas e requeria uma boa argumentação e convencimento. Esse aspecto foi a minha maior escola, tanto que na época, para encarnar alguns personagens e entrar nos lugares de difícil acesso, fui estudar teatro, com vistas a poder exercitar o lado ator, e ir para guerra sem levar tiro.

Entre bonecos de cadáveres
e mulheres nuas para a capa
Mina rotina era chegar na redação na parte da manhã, pegar as cópias de reportagens da equipe da madruga e, caso faltasse boneco de alguma daquelas matérias da noite anterior, eu ia atrás, e, pelo endereço deixado ia bater na casa das vítimas, muitas das quais ainda estavam sendo veladas ou enterradas. Em muitos casos, os familiares sequer sabiam do ocorrido, o que era uma uma situação terrível. Caso não houvesse nenhum boneco para reproduzir, ficava à disposição da redação, mas também preocupado em ir atrás de alguma mulher que topasse sair nua na capa do jornal. Ao sair para rua, muitas vezes eu ia sozinho e acabava fazendo anotações que eram repassadas para os jornalistas que atuavam na redação.

Na correria, clicou sujeito que
fingia ser ex-craque de futebol
Aquela redação toda ela era curiosa. Afinal, não havia outra em São Paulo que tivesse maior diversidade. A começar pelas mulheres de biquínis ou nuas que eu fotografava na sala que funcionava como o arquivo do NP. Ou dos travestis e artistas de rua que quase todos os dias apareciam lá para uma reportagem. Em meio a essas curiosidades, porém, fiz grande matérias. Como o velório da Nenê da Brasilândia, a morte do Tancredo Neves. Foram muitos tiroteios, grandes crimes e a algumas gafes.  Uma das mancadas foi com o jornalista Sidney Coca. Estivemos fotografando e entrevistando um grande ex-jogador do Santos, que estava abandonado num asilo. Momentos antes de rodar o jornal, descobriu-se que se tratava de um personagem falso e que o verdadeiro atleta morava em Santos com a família e muito bem financeiramente...

Fotos incomuns e aprendizado
com mestres em jornal popular
As pautas surgiam de várias formas. Comigo mesmo, quando estava na rua, mas na sua maioria das vezes da rádio-escuta e de outros jornais, de leitores que ligavam ou apareciam na redação passando histórias ou mesmo dos programas de rádio como do Afanasio Jazadji e Gil Gomes. A orientação era ir e fazer o que dava para fazer. Mas que a gente já sabia que por ser um jornal com linguagem diferente, era preciso buscar sempre ângulos e pontos de vistas fora do comum. O editor do jornal, Ebrahim Ramadan, hoje com 84 anos, sempre foi uma grande figura. Era do tipo que explodia na redação na hora do fechamento do jornal, mas, nunca prejudicava ninguém. Uma pessoa inteligente, que sabia o que o jornal precisava. O editor de polícia, Manoel Barbosa Victal, sempre gostou do meu trabalho. Era um cara que entendia quando eu raramente não conseguia um boneco, pois sabia que todos os esforços foram feitos. O Júlio Saraiva, infelizmente já falecido, era outra figuraça do NP na década de 1980. Saíamos para fazer fotos de carnaval, e ele sempre posava como modelo, escondendo o rosto ao lado das peladas para eu fazer as fotos. Numa das tantas matérias que fizemos juntos, lembro que eu trouxe as informações de um motorista que havia matado a mulher. Acho que ele se confundiu e inverteu a história, o que deu o maior rolo na época. Mas era um cara do bem. Aprendi muito com ele.

NP foi escola e trampolim para
outros saltos no fotojornalismo
Ter trabalhado no NP foi muito importante para mim, pois, foi onde eu fiquei conhecido e obtive reconhecimento. Apesar de fazer pautas bizarras, quando havia outras vistas como mais importantes, como sequestros, acidentes etc., eu acabava me destacando muito mais do que os demais, tanto que ao sair do NP, fui contratado pela sucursal de O Globo, em São Paulo. Por esse grande jornal, viajei por todo este Brasil, fazendo grandes reportagens, ganhando prêmios e tendo meu nome cada vez mais respeitado. Tanto assim que após o fechamento da sucursal de O Globo em São Paulo, eu fui contratado por outro grande jornal brasileiro, O Estado de S. Paulo, onde trabalhei por dez anos.