Dezoito anos por trás das manchetes do NP

Ebrahim Ramadan conta por que
o Notícias Populares virou ‘cult’

Ebrahim aceitou o desafio
do manda-chuva da Folha
O convite para Ebrahim Ramadan ser o editor-chefe do Notícias Populares foi feito por Octávio Frias de Oliveira (1912-2008), manda-chuva do grupo Folha, que incluía entre seus jornais o nosso saudoso e querido NP.
Era o ano de 1972 e Ebrahim Ramadan, que nasceu em 1936, na cidade de Cedral, na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, tinha 36 anos e uma vasta experiência como jornalista e como professor de jornalismo.
O profissional, que começou a escrever aos 16, no jornal A Notícia, de São José do Rio Preto, a esta altura já havia trabalhado na Folha de S. Paulo e na sucursal paulista do Jornal do Brasil, onde ficou por dez anos. Sem contar as crônicas - 'meio piegas' - que escrevia para a Folha da Tarde, que, aliás, foram a razão do convite feito por Frias.
Ebrahim aceitou o desafio, tirou o NP do vermelho e comandou o jornal por 18 anos, dando cara e personalidade à publicação que, apesar de não existir mais desde 2001, ainda mora no coração daqueles que, cheios de cumplicidade, liam suas manchetes e seus textos.
E foi para falar sobre esse tempo de ouro do NP que Ebrahim recebeu o escriba deste blog em sua residência, numa pacata rua da Vila Mariana, em São Paulo.
Curta os principais momentos desse bate-papo e entenda por que o NP passou a ser aquilo que se chama de cult, ganhando espaço em teses e dissertações de acadêmicos.

Convidado pelo chefão do grupo
Folha para tirar o NP do buraco

Abaixo-assinado chamou a atenção
Foi em 1972. Eu tinha saído do Jornal do Brasil, onde eu trabalhei dez anos, como chefe de redação da sucursal de São Paulo. Eu trabalhava no JB, mas ao mesmo tempo, escrevia umas crônicas muito românticas, eu diria até meio piegas, na Folha da Tarde, do grupo Folha. Só que não escrevia com meu nome. Assinava como Luiz Lima. Fiz isso durante uns dois anos. Aí eu tive uma discussão com o chefe de reportagem, que não quero citar o nome, e não escrevi mais. O dono da Folha da Tarde, dono do grupo Folha, recebeu um abaixo-assinado com 600 assinaturas, tudo de mulher. Era de um colégio feminino, do qual não me lembro o nome. 'Por que o Luiz Lima parou de escrever?', perguntavam elas. O Frias, que era um cara inteligente, achou estranho aquilo e chamou o editor da Folha da Tarde e perguntou: 'Quem é esse Luiz Lima?' O editor respondeu: 'É o cara aí que escrevia umas croniquinhas, mas ele não está escrevendo mais'. 'Por quê?' - quis saber o Frias. 'Ele se desentendeu aí com o pessoal e parou de escrever.' Esse foi o primeiro papo. Nessa época o NP estava indo mal de vendagem. O Frias disse que queria me conhecer e me convidou para conversar com ele. Nessa época, eu estava para ir para o Jornal da Tarde. Já estava entabulado para ir para o Jornal da Tarde. Mas o Frias me chamou e perguntou se estaria interessado em ser o editor do NP. Tudo por causa desse abaixo-assinado. Aí eu falei que ia pensar. 'Então pensa logo', ele disse. Consultei os meus amigos, colegas de jornal, se era interessante trocar o Jornal da Tarde pelo NP, até porque eu não tinha nenhuma formação desse tipo de jornalismo. Minha formação vinha da Folha de S. Paulo antiga, onde tinha trabalhado, e depois o Jornal do Brasil. Mas os colegas me incentivaram, dizendo que era desafio, um negócio interessante, uma experiência que poucos tinham. Fui até o Frias e falei:  'Vou topar'. 'Então, você tem seis meses para melhorar as vendas do jornal', respondeu o Frias.

Chico Xavier ganha uma coluna
diária no NP sob nova direção

Sociologia foi útil no começo
Era o Armando Gomide o editor na época. Depois da morte do Jean Mellé ficou o Armando Gomide. Eu topei. Do NP eu não tinha nenhuma experiência. A única coisa que eu tinha na memória, assim sobre o que fazer com o jornal, eram algumas coisas que tinha aprendido no curso de Sociologia. Comecei a bolar uns colunistas, primeiramente. O primeiro deles foi o Chiico Xavier. Depois vieram outros, como Tonico e Tinoco. Mas o Chico Xavier era diário. Tinha um pessoal que já estava engajado na linha do jornal, da época do Mellé. E fui em frente. O jornal começou a subir nas vendas.

Aposentadoria e poupança
passam a ser notícia de jornal

Era um tempo de inflação alta
Tinha uma coisa que a gente fazia e que nenhum outro jornal explorava essa área: aposentadoria e caderneta de poupança. Nessa época a inflação era alta. A gente não dava muito destaque, mas publicava. E aí foi feita uma pesquisa que constatou que isso atraía leitores. Logo depois que o NP começou a se recompor, a  Folha fez uma pesquisa e constatou isso. E a gente começou a dar um certo destaque nesses assuntos. É claro que gente dava mais a violência da cidade, crimes etc. Quando tinha alguma notícia forte em relação a poupança e aposentadoria, aposentados, dávamos de manchete. E o NP foi indo para frente. Basicamente era noticiário popular, mas isso acrescentou um número de outros leitores nessas áreas.

Lula em começo de ‘carreira’
também teve coluna no NP

Zé Béttio também escrevia no NP
E uma outra área que a gente explorava era o sindicalismo. Apesar do governo militar, existiam os sindicatos, embora não com a mesma atividade natural de época de democracia. A área sindical tinha um número razoável de leitores. Sabe quem chegou a escrever no NP? O Lula, que escrevia uma vez por semana. Pus também para escrever no NP um cara que tinha um programa sertanejo na Rádio Record, de madrugada, o Zé Béttio. Ele só andava de chapéu. Outro que tinha coluna no NP era o Dom Paulo Evaristo Arns (cardeal-arcebispo de São Paulo).

Vendagem sobe de 30 mil para
100 mil: passa Gourmet que dá...

Carnaval: ousadia e bom-humor
Quando eu assumi o NP a vendagem estava nuns 30 mil exemplares diários. Depois de uns seis meses chegou a 60 mil. Até que passou a 100 mil exemplares. E a época mais top de vendas, por incrível que pareça, era o carnaval. Nós fazíamos umas edições especiais de carnaval com as mulheres em trajes bem menores. E fazíamos fotos de cenas, vamos dizer assim inusitadas, no baile ou nas escolas de samba. Publicávamos um número muito grande de fotos numa edição inteira. Ficávamos uma semana com a edição de carnaval. Começava na sexta de carnaval e ia até o outro domingo após a folia. E as legendas eram hilárias. Dependendo da situação, para fazer essas legendas, a gente misturava nomes de filmes conhecidos, frases de anúncios conhecidos. Houve uma legenda que marcou muito, que era um casal e ele estava beijando a mulher por trás. Essa legenda foi até a Sonia Abrão quem fez: ‘passa Gourmet que dá’... Com base no anúncio daquela maionese. Além disso, tinha muito baile em clube naquela época. Tinha o Aracan, que era famoso, perto do aeroporto de Congonhas, que era o baile mais popular. Mas havia ainda o Palmeiras, o Juventus, que eram clubes grandes em termos de associados. Então nós fazíamos esse tipo de legenda de gozação, mas sem citar nomes.

Notícia no Folhão inspira a
saga do bebê-diabo no NP

Bebê-diabo saiu primeiro na Folha
A notícia sobre o bebê-diabo saiu primeiro na Folha de S.Paulo. Eles não publicaram nos moldes que nós publicamos, mas a matéria sobre o nascimento de uma criança diferente a gente leu na Folha, inclusive com uma charge de um cara vendendo pipoca ali na frente do hospital. E aí nós ligamos para o Hospital, para confirmar se era verdade. E o hospital ficou empurrando para os médicos, não podemos falar sobre isso e coisa e tal. Daí nós tocamos pra frente.  Mas foi a Folha quem deu a dica para a gente. Claro que eles não deram ‘bebê-diabo’, eles deram de uma forma diferente. Era um domingo (10 de maio de 1975), dia que quase não tem matéria boa para manchete. Ligamos para o hospital lá de São Bernardo, várias vezes, ninguém queria dar informação nenhuma, então fomos na esteira da Folha e publicamos a notícia. No dia seguinte estourou. Às 10 horas da manhã não tinha mais jornal. A partir do terceiro ou quarto dia começaram a aparecer pessoas no jornal que viram o bebê-diabo. Havia uma espécie de cumplicidade entre o leitor e o NP. Um cara disse que viu o bebê-diabo no telhado de uma casa. É claro que nenhum leitor dificilmente acreditaria nisso, mas era um negócio interessante, tinha gente que gostava de ler exatamente por causa dessa cumplicidade. Foram 25 dias de manchetes. Outro dia o meu filho estava no avião e leu numa dessas revistas de bordo uma matéria sobre o NP que trazia uma manchete do bebê-diabo que eu não me lembrava, que me fez dar risada: ‘Bebê-Diabo pega táxi na Rio Branco e manda o motorista seguir para o inferno’.
 
Previsão macabra do bebê na
enchente em Franco da Rocha

'Isso não é nada;o pior virá depois'
Em Franco da Rocha houve uma inundação violenta. Morreu gente até. E o pessoal de lá começou a mudar. Mas não foi por causa da enchente. É que começou a correr um boato, e nós publicamos como boato mesmo, que nasceu um bebê em Franco da Rocha e que teria ele dito a seguinte frase: ‘Isso não é nada; o pior virá depois’. Claro, nós publicamos como boato e muita gente estava mudando de Franco da Rocha. Isso rendeu uma semana de manchete. Aí a gente publicava que isso era um boato e que não tinha nada a ver com a enchente, que o serviço de meteorologia dizia que a chuva estava nas previsões.

Pelezão e Roberta Close mexem
com a galera do NP nos anos 80

Mulher mais bonita do Brasil é homem
Pelezão foi uma história que rendeu várias manchetes. O Pelezão teve, estranhamente, um caso com uma psicóloga. Ele era um morador de rua. E o nome da psicóloga foi totalmente mantido em sigilo nem tentamos descobrir quem era. Exploramos só o Pelezão, que virou uma espécie de pop star, ganhando até música. Outro personagem marcante surgiu numa feira do Anhembi. Foi o caso de Roberta Close, um travesti, que depois fez até cirurgia para virar mulher. Durante uma semana publicamos fotos dele. Ele tinha pernas bonitas, mas estava com um vestido que deixava aparecer por baixo a genitália masculina. A manchete do NP: ‘Mulher mais bonita do Brasil é homem’.

Plantão do Povo: barraquinha
do NP ouvia queixas da periferia

NP serviu de escola para a TV
Até a Globo copiou. Ela tem hoje repórteres tipo Márcio Canuto, que percorre bairros ou locais específicos para ouvir as reclamações. No NP, a cada semana, o Alderaban pegava a barraquinha e ia ouvir as reclamações dos moradores dos bairros menos favorecidos da cidade, principalmente da zona leste, que aliás continua assim. O jornalista Emir Martins Macedo, que era professor na Cásper Líbero, dizia que em São Paulo, até os anos 1980, a zona Leste não existia para o jornalismo. O jornalista morava em outras regiões então não sabia o que acontecia na zona leste. Isso é uma frase verdadeira, existe isso até hoje. O Sergio Gomes, que trabalhava na Agência Folha e frequentava a redação do NP, foi dar aula na USP como professor convidado. A certa altura os alunos começaram a questionar por que ele falava muito sobre os bairros de São Paulo. Então ele disse que os alunos deveriam ir ver o que acontecia em bairros como Itaquera, Cidade Tiradentes, Engenheiro Marsilac e por aí afora.
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 Confira algumas imagens que mostram o NP das origens até Ebrahim Ramadam:
Herbert Levy e Jean Mellé brindam nascimento do NP
Primeiro NP ganha as ruas deSampa: 15/10/1963
Ebrahim assume NP em 1972 e salva o jornal da falência
No dia 11/5/1975, começa série Bebê Diabo
Em 16/5/75, Bebê Diabo em nova machete
21 de maio de 76: Bebê continua rondando o ABC
No Carnaval de 81, passa Gourmet que dá...
Travesti Roberta Close vira celebridade em 84
Pressa de fechar prolonga agonia de Tancredo
Economia para o povão entender no NP
Plantão do Povo e Márcio Canuto: tudo a ver
PELEZÃO, OUTRO CAMPEÃO
DE AUDIÊNCIA DO NP
Este blogueiro foi o autor das reportagens
Pelezão rendeu 11 machetes e 14 chamadas de capa

GALERIA NP

HÁ 33 ANOS NO NOTÍCIAS POPULARES

Neste mês de agosto, a saga de Pelezão, o indigente 'violentado' pela psicóloga, completa 33 anos. Abaixo, graças ao Arquivo Público do Estado, uma sequência de reproduções do jornal que dá nome a este blog, nos dias em que a história de Pelezão teve início. As manchetes são assinadas pelo criador deste blog, e os créditos nas fotos servem para dirimir algumas dúvidas levantadas por gente mal intencionada.








































































Chico Pé de Pato: uma reportagem de gaveta

EM PRISCAS LAUDAS, A HISTÓRIA
DE UM DOS PRIMEIROS JUSTICEIROS
DA CIDADE DE SÃO PAULO 

Em meados da década de 1980, o autor deste blog era repórter de polícia do famigerado Notícias Populares, como o leitor já está careca de saber. Entrevistei Chico Pé de Pato, ou Francisco Vital da Silva numa madrugada, em seu 'quartel-general' na zona leste de São Paulo, onde ele reinava como um dos primeros justiceiros da capital.
Juntamente com o repórter-fotográfico José Maria da Silva, ele foi conduzido ao local - acreditem -  numa 'barca' da Polícia Militar. 'Barca', era o nome que os repórteres davam às viaturas da polícia naquela época - em geral uma perua Veraneio, da Chevrolet. E por que numa viatura da polícia? Por que a dita cuja é quem fornecia as vítimas para o 'justiceiro'.

Mulher e filha estupradas - Nas laudas abaixo - os estudantes de Jornalismo terão a oportunidade de saber o que era uma lauda - está faltando a retranca 2, ou o primeiro intertítulo da matéria. E era justamente nela que estava o porquê Chico se tornara 'justiceiro'.
Sua mulher e sua filha haviam sido estupradas por delinquentes do bairro. Chico foi atrás dos estupradores e deu fim à vida deles. Como, segundo a polícia, eram 'marginais', livraram a cara de Chico. No entanto, ele ficou refém dos 'home' e teve de se transformar em 'justiceiro'. Os caras da polícia forneciam as fichas e ele matava.

Matou um tira e se danou - A reportagem sobre Chico ficou na gaveta. A idéia era engordar a lista de justiçamentos de Pé de Pato, para mostrá-lo como um verdadeiro herói da Zona Leste, ou mais propriamente da região do Itaim Paulista. No entanto, nesse meio tempo, Chico matou, por engano, um policial militar. A casa caiu. Teve que puxar o carro. A polícia que antes fornecia as indições de quem seria justiçado, agora queria liquidá-lo.
Temendo por sua vida, Chico entrou em contato com a equipe do Afnazio Jazadji, que tinha um programa na Rádio Capital. Foi armado um esquema, com a presença de advogado e tudo, para ele se entregar na sede da rádio, na avenida Nove de Julho.

Morreu com 51 estocadas - A matéria foi passada para outro repórter do NP, o Júlio Saraiva. A reportagem deste blogueiro ficou na gaveta. Só a lauda 2 - que contava as razões de ter virado justriceiro - foi aproveitada
Chico entregou-se. Passado algum tempo a mídia esqueceu-se dele. Ele foi jogado no meio de um monte de malacos na Cadeia de Franco da Rocha. Acabou executado com 51 estocadas.
Clique nas laudas para ampliá-las. As laudas abaixo são uma amostra de como funcionava uma redação de jornal num tempo em que não havia toda essa magnifica tecnologia de hoje. Tinha de se escrever em papel, rebater quando errava e colar com goma arábica as retrancas ou emendas.
A máquina de escrever do autor deste blog era uma Roayal. Uma Royal, como se dizia, mil novecentos e bolinha...